quarta-feira

Tudo vai bem – grita O Deus com sua voz penetrante como ferrugem de três mil anos.

segunda-feira

"Ao modo de Chico Alvim..."

Você já reparou nos olhos dela?

São assim
de cigana oblíqua
e dissimulada

Já reparou pra onde ela caminha?
Como ela dobra o joelho em cada passo descompasso
Suspira?

Já reparou que ela vem afoita em passes de break ?
é na minha direção, rente nos meus olhos

na linha do meu queixo
Já reparou?

Já percebeu que a poesia muda?
Muda, as vezes não diz nada.

quinta-feira

Quero te falar do meu amor louco sem uma palavra.
Como todos os olhares de ternura que a gente ainda vai trocar. No almoço, na cama, no parque, no cinema...na vida.

terça-feira

Acho que perdi o jeito, esse espaço em branco na minha frente e um medo indescritível de preenchê-lo. A garganta em nó, o peito em nó, as mãos suadas de quem é consumido aos poucos, como Prometeu e seus 30 mil anos acorrentado em si mesmo, e o abutre como um santo, todos os dias lhe comia o fígado ...esperança e castigo.
Hoje de manhã com a boca cheia de creme dental, me vendo no espelho eu pensei: quando foi que me engoli, que não percebi? Me achei tão linda e interessante, dei um preço alto pra cada traço, pra cada vírgula que eu carrego comigo, para o amor que eu ainda tenho dentro de mim, e sorri sacana de canto, porque isso ninguém pode ter, ninguém pode tirar. Caminhei até o ponto de ônibus inatingível ouvindo Rolling Stones, olhei bem para todas as pessoas, eu queria identificar, eu queria que elas me dissessem alguma coisa, algum segredo, algum pecado ...algum amor, eu queria que elas ouvissem a minha música. Eu queria ser imortal como Prometeu acorrentado. Não sei mais se quero me mostrar.

segunda-feira

LADY LAZARUS



Tentei outra vez.
Um ano em cada dez
Eu dou um jeito —

Um tipo de milagre ambulante, minha pele
Brilha feito abajur nazista,
Meu pé direito

Peso de papel,
Meu rosto inexpressivo, fino
Linho judeu.

Dispa o pano
Oh, meu inimigo.
Eu te aterrorizo?

O nariz, as covas dos olhos, a dentadura toda?
O hálito amargo
Desaparece num dia.

Em muito breve a carne
Que a caverna carcomeu vai estar
Em casa, em mim.

E eu uma mulher sempre sorrindo.
Tenho apenas trinta anos.
E como o gato, nove vidas para morrer.

Esta é a Número Três.
Que besteira
Aniquilar-se a cada década.

Um milhão de filamentos.
A multidão, comendo amendoim,
Se aglomera para ver

Desenfaixarem minhas mãos e pés —
O grande striptease.
Senhoras e senhores,

Eis minhas mãos
Meus joelhos.
Posso ser só pele e osso,

No entanto sou a mesma, idêntica mulher.
Tinha dez anos na primeira vez.
Foi acidente.

Na segunda quis
Ir até o fim e nunca mais voltar.
Oscilei, fechada

Como uma concha do mar.
Tiveram que chamar e chamar
E tirar os vermes de mim como pérolas grudentas.

Morrer
É uma arte, como tudo o mais.
Nisso sou excepcional.

Desse jeito faço parecer infernal.
Desse jeito faço parecer real.
Vão dizer que tenho vocação.

E muito fácil fazer isso numa cela.
É muito fácil fazer isso e ficar nela.
É o teatral

Regresso em plena luz do sol
Ao mesmo local, ao mesmo rosto, ao mesmo grito
Aflito e brutal:

"Milagre!"
Que me deixa mal.
Há um preço

Para olhar minhas cicatrizes, há um preço
Para ouvir meu coração —
Ele bate, afinal.

E há um preço, um preço muito alto
Para cada palavra ou cada toque
Ou mancha de sangue

Ou um pedaço de meu cabelo ou de minhas roupas.
E aí, Herr Doktor.
E aí, Herr Inimigo.

Sou sua obra-prima,
Sou seu tesouro,
O bebê de ouro puro

Que se funde num grito.
Me viro e carbonizo.
Não pense que subestimo sua grande preocupação.

Cinza, cinza —
Você fuça e atiça.
Carne, osso, não há mais nada ali —

Barra de sabão,
Anel de casamento,
Obturação de ouro.

Herr Deus, Herr Lúcifer
Cuidado.
Cuidado.

Saída das cinzas
Me levanto com meu cabelo ruivo
E devoro homens como ar.