terça-feira

veio como uma mão invisível me adentrando as carnes do peito, abrindo espaço com os dedos na ferida, para logo esmagar com delicadeza brutal o coração, como se ele não valesse à pena, como um fruto caído.. e ainda assim minha danação é minha salvação, e ainda assim meu ódio flertando com minha ternura. um flerte fatal. meu amor é devastação, o nosso. existe uma força invisível entre nossos olhos, entre nossos corpos, amarrada na alma. que os outros não vêem, não entendem. como um segredo, uma coroa de espinhos.
vou andar por todas essas calçadas, como uma espécie marginal de quieto animal da esquina, quieto e abrasado. coroado.

quinta-feira

Com o suor gelado do corpo, que insiste na angustia.. todo dia me agarro com o desespero da razão no invisível.

terça-feira


não pulso, petrifico. eu queria uma Tardis e não voltar mais pra esse ar sujo. eu queria as estrelas e um coração zero quilômetro. de pedra e dinamite.

Insónia dos decepcionados. Vertente, eu não sinto nada. Me espanto, e nada de sentir no meu peito de dois corações. Tenho alguma coisa no sangue, uma célula antiga e vertiginosa, que gira, que corre na sombra e perturba o espírito. Não é de enlace. É flama e arde em silêncio. Eu sou uma Pandora. Agridoce, com os dedos cravados na tua mediocridade.

sexta-feira

Abri ao acaso meu Gide: “Nathanael, não acredito mais no pecado.”

terça-feira

A esperança, essa puta. Que me desconcentra. Essa vaca virtuosa travestida de verde [...] me arremessa no improvável. E me galopa o peito, dando ainda de mim o renegado, o proibido. Batendo mil vezes a minha cara de tédio no teu músculo vermelho escuro. Estou nesse lugar vago entre. Esse lugar vago entre o momento e o eterno. Esse lugar vago onde a palavra inflama.

quarta-feira

eu sei. que to com o saldo negativo. que deixei faltar pra vocês, que virei as costas e nem ofereci a bunda. que te privei minha cara, da minha canalhice, da minha nada modesta infâmia.
prometo resplandecer crapulosa..

terça-feira

[Vamos lá. Radovan Karadzic, ou Dragan Dabic, deve freqüentar um nível espiritual mais elevado que o meu. Ele e a maioria de bruxinhas franqueadas e picaretas que devem IPTU e que são vegetarianos, e que, por um lado, inspiram e expiram (e suspiram) na hora de poupar porcos, vacas, aves e peixes e que, por outro, não estão nem aí na hora de massacrar bípedes muçulmanos da mesma espécie. Não deixa de ser curioso. A sentença dessa gente espiritualizada é a evolução. E, com uma ou outra variante, quem lê Dostoiévski e freqüenta churrascarias precisa ser descartado da face de Gaia ou “aprimorar-se enquanto ser humano”. Um longo caminho evolutivo que começa – segundo esses iluminados – por uma reeducação alimentar... depois vem ioga, feng-shui... e suruba com a sua mulher.

Gaia, né? Tô sabendo.

Radovan Karadzic é acusado pela morte de 8 mil mulçumanos em Srebrenica. Também é responsabilizado pelo cerco de 43 meses a Sarajevo, no qual mais de 11 mil pessoas morreram em decorrência da violência e de fome. Karadzic é um sensitivo. Do tipo evoluído que consome alfajores de soja e usa chapéu panamá; muito provável que ele também seja chegado num incenso fedorento. Porque eu, que adoro uma rabada, é que não suporto o cheiro dessas fumacinhas. Se a intenção é afastar coisas ruins, comigo funciona. Onde tem incenso, eu dou o pinote. Devo mesmo ser uma peste: “Oh, que nojo! Você come cadáver?!”

Sim, um porquinho todo sábado, e adoro roer os ossos chamuscados de uma chuleta. Mesmo porque seria impossível mastigar um boi se ele estivesse vivo. Mas asseguro que no meu cardápio – diferente do menu de Dragan Dabic – não entra acém de muçulmano.
Rita Lee (ou seria o Serguei?) – que é engajada no vegetarianismo, e acha que os consumidores de lombinho de porco deviam queimar nos quintos dos infernos – deve simpatizar com as idéias do carniceiro de Belgrado.

Dragan Dabic escrevia numa revista chamada Zdrav Zivot (Vida saudável). Vejam só os ensinamentos do mestre: “Ainda que não possamos mudar intencionalmente as funções autônomas do nosso corpo, podemos influenciá-las indiretamente através dos itens que introduzimos no nosso corpo, como comida, bebida, cenas, sons ou aromas. Mas a maior influência sobre os acontecimentos dentro do nosso corpo são nossos pensamentos e sentimentos. Se algum dos artefatos acima mencionados é ruim, os processos da vida dentro de nós serão também ruins”.

“Os itens que introduzimos em nossos corpos” – eis as palavras de Dragan Dabic, o guru. Fico pensando. Mais de 20 mil mulheres bósnias foram estupradas: que “itens” será que os milicianos de Karadzic “introduziram” no corpo dessas mulheres? Creio que a velha roqueira assinaria embaixo do pensamento iluminado do carniceiro de Belgrado. O que são 20 mil mulheres estupradas diante da dignidade das alfaces e mandioquinhas hidropônicas? Imaginem o bafo de aviário da roqueira... o bafo de morte inspirado lá das profundezas do seu espírito evoluído. Dá medo.

Antes de continuar, quero deixar bem claro que a aproximação que faço da roqueira brasileira com Karadzic – evidentemente – não tem o menor cabimento, é um exagero propositado. Talvez até atinja a mesma proporção do monte de merda que ouvi dessa gente alternativa nos últimos anos. Eu sempre desconfiei deles. E agora esse Karadzic me aparece falando em meditação, em experiências extra-sensoriais? O nome da revista que ele escrevia, repito: “Vida Saudável”. Além de genocida e terapeuta holístico, debochado.

Isso tudo me remeteu a bicho-grilice de Visconde de Mauá. Senti calafrios na espinha só de pensar naquelas cachoeiras e nas “comunidades” que existem por lá. Quem me garante que por trás de papais noéis bonachões e batas insuspeitas, além da patrulha e da cagação de regras típicas, não se escondem assassinos da pior espécie, degenerados disfarçados de pacifistas? Inspire, expire, interaja, ame e dê vexame, e depois estupre as mulheres perfumadas e elimine essa gente que freqüenta espetos corridos.

Bem, agora vou falar umas coisas que irão chocar muita gente. Não estou me agüentando, peguei no embalo, entendem?

Seguinte. Para mim, os irmãos Gasparetto recebem os espíritos por via anal e, se o Chico Xavier fosse mesmo um santo, não teria passado a vida inteira usando aquela peruca ridícula. Tem mais. Não acredito em beatos e iluminados que respiram o mesmo ar poluído que eu respiro. Isso aqui, aliás, a tal de Gaia, não é lugar para esse tipo de excentricidade. Vai ser santo depois de morto, e não me encha o saco. Não acredito em mulheres com sovaco peludo, espaços alternativos, elfos, sílfides (que são as fêmeas dos silfos, ou gênios do ar) e feng-shui. Também desconfio dos poetas – especialmente daqueles que perguntam: “Gosta de poesia?”

Até que gosto, meu problema é com os poetas. Odeio, odeio poetas. Teve uma época, na minha pré-adolescência, em que eu gostava da Rita Lee. Um amigo meu e escritor, o Nilo Oliveira, esclareceu-me a situação: “Quando a gente tem 12 anos”, disse, “até o Caetano Veloso é um gênio”.

Isso sem falar nos mapas astrais & origamis, nos malditos chacras, no I-Ching e na confusão que esses naturebas fazem com budismo, alfafa, hinduísmo ou qualquer coisa que dá barato e não tem pé nem cabeça. Desconfie quando a Regina Casé citar um pensamento do Dalai Lama, saia de perto quando a Rita Lee estiver de cócoras, decerto ela vai soltar algum presságio depois do peido.

Essa gente é constrangedora. Tem uns que nem disfarçam; organizam-se em ONGs, feirinhas desencanadas e embalam o tal do tai chi chuan... na frente das crianças! Sou a favor – nesses casos e no caso de esfihas de frango – do porte de arma, meu espírito é de porco com ascendente na casa do chapéu. Aliás, para fazer previsões, não preciso de runas, nem bola de cristal. Alguém duvida? Então aqui vai: num futuro não muito distante, as churrascarias vão ser lacradas como foram os bingos, e os consumidores de cupim serão perseguidos e execrados como se fossem... vejam só... fumantes. E os camelôs venderão células-tronco na Pça. da República. Assim, as lésbicas finalmente se transformarão em travestis passivos, com direito a um pinto e a duas bolas penduradas no saco.

E a história de São Cipriano? Alguém conhece? Seguinte. O sujeito passou a vida inteira fazendo lobby para o capeta. Um dia, porém, as ofertas do maligno não corresponderam às demandas de sua insensatez. Ou seja, o diabo não deu conta do recado. Aí Cipriano virou casaca e trocou de senhor. Simples, né? O que era macumba virou milagre. Troca de interesses. Quem tiver curiosidade e quiser dar umas risadas, basta dar uma olhada no Grande livro de capa e aço. Tem uma receita que Paracelso dá para criar homúnculos a partir de cocô de gato. Uma boa dica para a dona de casa apimentar seu relacionamento, junto com a dança do ventre.

Hoje, Cipriano é santo da igreja católica com todos os alvarás e certidões negativas. O tipo da coisa (o câmbio) que serve para tudo nessa vida, desde a mulata bilíngue que se oferece no calçadão da boate Help em Copacabana (o maior puteiro a céu aberto da América Latina que está ameaçado de extinção... querem colocar um museu de arte contemporânea no lugar, isto é, trocar seis por meia dúzia) até o pobre coitado vítima de sua caridade. Vale dizer: a paisagem é a mesma. A esmola é a mesma. A canalhice e a santidade andam de mãos dadas.

Espero que Karadzic pague pelos seus crimes, e nunca é demais lembrar que Hitler e Jesus Cristo (que sempre andou, e continua andando pessimamente acompanhado, “amém, irmão”?) também eram vegetarianos. Ainda bem que Rita Lee e Fernanda Young saíram do “Saia Justa”. Isso me faz acreditar que Deus existe. Axé e picanha mal passada para vocês.]

Marcelo Mirisola

sexta-feira

resumindo:

o amor é uma bela bosta, mas todo mundo quer comer.

quinta-feira

Quero que seja livre em mim, não de mim.

"Mato por amor, mas não mato o amor.

Prefiro estar perturbado por um amor ao invés de seguro, calmo e salvo fora dele. Amor resolvido ou não, pouco importa. Que eu perca a cabeça, o saldo, a casa, os gostos. Perder é prova de que ainda tenho algo.

Um amor com nó de balanço, nó de pião, nó de barco, nó de cadarço, que cruze as cordas como pernas excitadas. Que seja um amor inacabado, quebrado, ferrado, com nó cego de uma forca, desde que aperte bem forte para não soltar. Um amor rápido como um infarto, sem sinal-da-cruz. Um amor que desafie a sabedoria que vem depois da morte. Um amor burro que dependa apenas de um quarto para se cumprir. Um amor que não tire os sapatos para deitar. Um amor sofreguidão e gozo. Um amor hesitação irritante entre beijos. Um amor que não dá trégua para voltar atrás. Um amor que não oferece chance para ir à frente. Um amor que fica no mesmo lugar, que não traz sorte e azar, traz o desespero de ser amado um pouco mais.

Amar é mais importante do que viver. Viver pode vir depois.

Amor dói e me mobiliza, me desperdiça a encontrar o que não procurei. Eu me sinto melhor no mais fodido amor do que se estivesse pleno de saúde e reconhecimento. Sinto que dependo de alguém, e não somente de mim. A miséria do amor é um luxo.

Mesmo na separação, o amor diminui o espaço entre os dedos e afiança o olhar para mais longe. Qualquer lugar é passível de uma aparição, de um reencontro, da tremedeira dos joelhos, como se fossem autônomos e independentes do resto do corpo e rezassem para um Deus prestes a surgir.

Repara-se nas pessoas ao lado a adivinhar se alguma delas experimenta o mesmo torpor silencioso de mastigar as palavras e não digeri-las ou cuspi-las. O amante está sempre com uma palavra na boca, lapidada, aperfeiçoada, repensada, reescrita, que não sairá para passear com o mar. Não sairá numa confidência. Ficará como semente de uva, pequena demais para ser colhida do chão, mas de aspereza reconhecível para uma língua com sede.

O amor é infantil. Uma alegria de se entornar pela casa e se despreocupar com a arrumação. Ser adulto estafa, a recolher os brinquedos escondidos na areia sem ao menos ter brincado. O amor é insuportavelmente tolo. Quem não é tolo não permite carícias.

O amor não cansa de caminhar como a luz, não cansa de barulho como a chuva, não cansa de repetir as lembranças como o fogo.

Morro por amor, mas não morro o amor."

Fabrício Carpinejar