quarta-feira

Aborto, casamento gay e intolerância religiosa: convenientemente ausentes nos discursos dos presidenciáveis


Fonte: Estadão
Introdução: Eli Vieira

Uma deu sinais de agnosticismo, se “equilibrando na questão”, mas agora é toda acenos para os cristãos e deixa seu partido insinuar que ser chamado de ateu é crime contra a honra. A CNBB, que reúne os bispos católicos do Brasil, primeiro pediu às suas ovelhas para não votar nela, depois retirou a mensagem do sítio eletrônico e agora chama os candidatos para debater na lamentável rede de canais de televisão religiosos que contam com a concessão pública.
Outra faz parte de uma denominação fundamentalista que nega a ciência, mas amacia o discurso enquanto tenta desviar a atenção de sua crença de que toda a biodiversidade que ela tenta preservar surgiu num passe de mágica.
O outro, cujo partido injetou mais de meio milhão de dinheiro público num evento evangélico, fazendo a laicidade da Constituição parecer “coicidade da latituição”, conseguiu arranjar um candidato a vice-presidente que pensa que chamar alguém de ateu é xingamento.
Porém, apesar de toda a disputa, os três candidatos mais conhecidos à presidência do Brasil têm em comum uma coisa: preferem fingir que o Brasil é a terra dos ursinhos carinhosos, em que cirurgia de varizes é problema mais urgente que o aborto, em que proteger ou não os deficientes é ponto mais polêmico que o casamento gay, em que fazer propaganda de origem humilde é mais apelativo que mostrar o que vão fazer de concreto para promover a cidadania informada no país. Difícil escolher presidente num baile de máscaras assim.
Política no Brasil nos dá tédio. E a razão para isso tem muito a ver com nosso laicismo de letra morta, de acordo com a entrevista abaixo com um especialista em psicologia política, Marco Aurélio Prado.

Aliança com o nada
Para professor da UFMG, neutralismo é palavra de ordem para candidatos e sinal de pobreza do debate eleitoral
A menos de dois meses das eleições presidenciais, há uma fração interditada da agenda política. Os principais candidatos a presidente não se aprofundam em temas transversais que mexam com a sociedade. Aborto, drogas, união civil entre homossexuais, reforma agrária, eutanásia, entre outros, foram escanteados do debate. “A política é uma esfera de pensamentos da diferença, um lugar de estratégia e de conflito. A gente não vê isso hoje no Brasil. Ainda vivemos a fase da neutralidade geral”, diz Marco Aurélio Prado, doutor em psicologia social pela PUC-SP, membro do Núcleo de Psicologia Política da UFMG e atual presidente da Associação Brasileira de Psicologia Política. “É um momento no mínimo curioso, se não perigoso.”
Dois fatores contribuiriam para tanto: a forte influência da religião na política e as alianças que sustentam os candidatos. Notório é que o primeiro passo foi dado justamente por um ramo da Igreja Católica. Nessa semana, a CNBB, Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, anunciou a convocação de um debate, com transmissão em rede nacional nas TVs católicas, para cobrar dos presidenciáveis posições claras sobre assuntos tabus, como aborto, reforma agrária e taxação de grandes fortunas. Prado acredita que o caldeirão vá esquentar. “A sociedade é pluralista, seria muito bom que a política expressasse isso.”

Por que temas tabus são empurrados para baixo do tapete durante o debate eleitoral?

Há uma tentativa de formar opinião pública e, para isso, os candidatos ensejam uma posição neutra. O debate eleitoral no Brasil é pobre. Em outros países encontramos posições mais definidas. O comportamento chama a atenção porque esses são temas ligados a outro elemento contemporâneo do Brasil: a presença das religiões na esfera da política. Elas têm representantes na Câmara dos Deputados e no Senado a ponto de já fazer parte do nosso imaginário falar que existe bancada evangélica, bancada religiosa, bancada católica. Os candidatos evitam marcar posição para não perder o apoio da opinião pública. Mas não evitam visitar as igrejas ou fazer acordos com pastores e padres.

O que teria motivado a CNBB a sugerir um debate com os presidenciáveis que inclui assuntos polêmicos?

A Igreja Católica é muito capilar e muito contraditória internamente. Tem várias tendências, desde as católicas que defendem o direito de a mulher interromper a gravidez até o discurso do papa, sem dúvida conservador. Ela possui uma forma de lidar com essas temáticas que revela um pouco por que consegue tanto peso na opinião pública. Nos últimos anos, a gente avançou numa certa democratização. Mas ao mesmo tempo as religiões viraram instrumento forte de compreensão da própria política e a política virou instrumento forte da religião. Isso é uma contradição e um fenômeno importante. Acredito que temas sobre direitos vão aparecer no debate à medida que o eleitorado tiver mais cara e as pesquisas indicarem o rumo das coisas. O debate vai esquentar. O problema é como serão as respostas dos candidatos (risos).

A falta de debate em relação a esses temas empobrece o processo eleitoral?

Com certeza. Mas a eleição tem sido assim, com pouquíssimos instrumentos de conscientização política. Sendo o voto uma forma de expressão de direito de cidadão, é curioso que o processo eleitoral esteja tão despolitizado. Veja a forma de construção das alianças. A candidata do governo, por exemplo, é de um partido que fez coligações que vão fortalecer o PMDB em muitos Estados. Conforme essas alianças vão sendo feitas por interesses que não passam por um projeto político, a eleição tende a ser menos esclarecedora para a população. Aí é óbvio que os discursos não dizem nada. No debate da Band foi essa a postura dos candidatos. Apenas quem tem poucas chances, como o Plínio de Arruda Sampaio, pode falar de todos os temas. A sociedade é pluralista. Seria muito bom que a política expressasse isso.

O que constitui, de fato, um debate democrático?

O ideal do debate político é que antagonismos possam aparecer. A política é uma esfera de pensamentos da diferença. É um lugar de estratégia e de conflito. A gente não vê isso hoje no Brasil. Vozes dissonantes aparecem pouco. Repare no caso da união entre homossexuais. Quem está antagonizando são os religiosos no Congresso e uma parte da sociedade civil ligada aos movimentos sociais. E esse é um tema de muita relevância porque mostra como uma nação é capaz de olhar para transformações da sua própria sociedade. O governo tem feito de maneira discreta algumas ações pró-reconhecimento, como a autorização para declarar parceiro no Imposto de Renda, mas é meio envergonhado. Isso não se transforma em debate público, não são projetos que passaram por discussão no Congresso. A eleição vira esse neutralismo, esse grande acordo de relações partidárias. E a gente não sabe como essas rodadas de negociações aconteceram.

Que outros temas são escanteados?

O mais escamoteado é o das alianças. Se houvesse um espaço mais democrático, poderíamos discutir o que isso significa para o futuro. O mundo da política institucional não pode ter partidos fracos. É preciso ter partidos fortes com discursos políticos bem sustentados. Estamos vivendo um momento no mínimo curioso, se não perigoso.

De que maneira o senhor acredita que esses temas vão começar a ser discutidos pelos candidatos?

Não haverá muita discussão, principalmente pelos dois candidatos que estão na frente nas pesquisas. Basta pensar o que eles representam. De um lado, Dilma Rousseff espelha um acordo com partidos que não têm nenhuma posição favorável a esses temas, posição, aliás, que o PSDB também nunca teve.

A população percebe essa agenda tolhida? Por que o eleitor não reage?

Eu sou otimista. Há espaços que reagem. Neste ano todas as paradas LGBT têm como lema a questão do voto contra a homofobia. É uma reação, um recado. Quando todo mundo considerou que as paradas eram carnavais, elas mostraram articulação em torno de um tema: o projeto de lei, que não passa de jeito nenhum, sobre a criminalização de atos homofóbicos. No caso do aborto, é inadmissível que não se discuta em pleno século 21 o direito de as mulheres decidirem sobre o próprio corpo.

Em que momentos da nossa história política o debate lhe pareceu menos engessado?

Sobre essas questões específicas, nunca tivemos, em épocas de eleição, um debate acirrado. Mas, na pós-ditadura militar no Brasil as eleições foram mais politizadas. O debate Collor/Lula teve processo de conscientização política. As posições eram demarcadas, os partidos apresentaram projetos. Para o eleitor que conseguiu ler esses projetos não foi surpresa o que aconteceu no governo Collor. Naquele momento, o debate eleitoral instituiu um processo de reflexão sobre a política e sobre nossa vida como coletividade. É interessante pensar que estamos saindo de um governo do PT, um partido que tem história de politização de tantos temas, mas despolitizou a sociedade brasileira nos últimos anos.

O PT ajudou a despolitizar o debate?

Sim, mas é um fenômeno que não ocorre somente no Brasil. Em outros países, partidos de centro-esquerda ou esquerda, ao assumirem o governo, construíram certa despolitização das sociedades. Um elemento muito forte no País foi o tipo de relação que o governo estabeleceu com os movimentos sociais.

Foi uma relação de dominação?

Não. Foi uma relação de despolitização. Muitos movimentos sociais, que sempre tiveram lideranças importantes para a democratização, entraram para a máquina de governo. É verdade que o Estado precisa da experiência da sociedade civil para instituir políticas públicas, mas o problema é como isso mexe com a participação da sociedade. Há movimentos burocratizados pela lógica do Estado. Costumo brincar que, atualmente, se você formar um grupo para reivindicar algo, no dia seguinte vai ter um edital do governo propondo verbas e formas de funcionamento. A relação entre esses movimentos e o governo ficou engessada em editais. Ao mesmo tempo que há índices de melhora da situação brasileira, temos também uma sociedade menos participativa.

Outras culturas são mais abertas à discussão?

Sim. A Argentina viveu um debate importante sobre a união civil entre gays, que culminou com sua aprovação. A Espanha também. Portugal tomou decisões importantes no caso do aborto, das drogas e do reconhecimento da união entre homossexuais.

Quais seus prognósticos em relação ao Brasil?

Há a tendência de que essas temáticas avancem, mas vai depender de quem for eleito. A política é muita dinâmica. Isso é que é fascinante. Eu sou otimista, mas não é um otimismo redentor. Não imagino que a gente vá alcançar esse patamar fantástico rapidamente. Mas há práticas cotidianas que fazem toda a diferença.

O senhor já decidiu em quem votará?

Já. Não de modo confortável. É uma eleição difícil. Decidi, mas com medo de fazer parte do que vai ser o futuro dos partidos diante dessa situação de alianças tão pouco claras. Seremos cúmplices do que vier.

quinta-feira

Meu nome é Spider Jerusalem!


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quarta-feira

É melhor ficar calada, e se sentir extremamente privilegiada.

terça-feira

TABACARIA

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe
Quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,

Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua

A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
à Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora.
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e  ávores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a hist¢ria não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haver  senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé
de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais do que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica a amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, para o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentil¡ssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo de nossos pais,
Ou não sei o quê moderno - não concebo bem o quê -,
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego a janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um dos andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortaram o rabo
E que é o rabo para aquém do lagarto remexidamente.

Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho.
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado,
Já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubam e não valia nada.

Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isso se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de
coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (pra comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me energético, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha de minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo o troco na algibeira das calças?).
Ah conheço-o, é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ‚ Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperaça, e o dono da Tabacaria sorriu.

Não a Ti, Cristo

Não a ti, Cristo, odeio ou te não quero.
Em ti como nos outros creio deuses mais velhos.
Só te tenho por não mais nem menos
Do que eles, mas mais novo apenas.

Odeio-os sim, e a esses com calma aborreço,
Que te querem acima dos outros teus iguais deuses.
Quero-te onde tu estás, nem mais alto
Nem mais baixo que eles, tu apenas.

Deus triste, preciso talvez porque nenhum havia
Como tu, um a mais no Panteão e no culto,
Nada mais, nem mais alto nem mais puro
Porque para tudo havia deuses, menos tu.

Cura tu, idólatra exclusivo de Cristo, que a vida
É múltipla e todos os dias são diferentes dos outros,
E só sendo múltiplos como eles
Estaremos com a verdade e sós.
Fernando Pessoa

Eba! Eba! Eba!

Oh, all your history's like fire from a busted gun..

quarta-feira

Viu, eu avisei!

Gosto quando a vida ensina, e mais ainda quando ela valida minhas teorias comportamentais e antropológicas (isso pode ser entendido assim: sou um bicho desconfiado por natureza).
E dessa vez, o que a vida ensinou foi (quase um déjà vu secular) que um indivíduo pode ter lido mais de 500 livros, pode estar perto do topo da pirâmide e pode até ter um pau grande (inversamente proporcional ao seu cérebro, segundo as estatísticas). Mas não! Tudo isso não faz dele(a) um ser de caráter (ética pode ser um exemplo). Ele, o indivíduo, até pode achar que tem caráter e, faz uso dele por conveniência, na padaria, ou na hora de se justificar com a esposa(o). Mas em momentos que exigem tal postura, bom, aí não há ereção poética que disfarce o letreiro luminoso piscando - LOOSER - na testa do supracitado.
Mas, somos apenas meninas imaturas, aprendendo direitinho o que a vida ensina.