quinta-feira

Ler ou não ser. Ler ou não ver. Ler ou não ter a força criativa de organizar com os olhos o volume e o peso do caos.

sábado

Eu não entrei em nada, e nada entrou em mim
até você chegar com a chave.

terça-feira

o meu mundo, no instante em que se refrata

Ela afunda os lábios vermelhos no cinzeiro,
à curva do seu fardo de beleza.
O espelho,  retrato da degradação,
beleza...e se morre disso?

A voz da espécie e os ouvidos surdos da arte moderna

Reflexão interessantíssima do Camilo Gomes Jr.


Os velhos pajés das tribos da Amazônia contavam que a Lua, todas as vezes que desaparecia por detrás das serras, escolhia uma índia, transformando-as em estrela, que passava a brilhar no céu. Naiá, moça indígena, filha de valente cacique, nascera branca como o leite, tendo bela cabeleira mais ruiva que as espigas de milho. Naiá desejava ardentemente ser escolhida por Jaci, a Lua, para ser transformada numa estrela cintilante. Mas a lua não ouvia seus pedidos… (LISBOA, 2002, p. 65.)

  Neste texto, falarei de mitos. Não apenas de mitos folclóricos, como o do excerto acima, mas também alguns mitos modernos que contaminaram a teorização sobre o valor das artes, bem como a visão objetiva de muitos filósofos e cientistas contemporâneos acerca da realidade das coisas no mundo em que vivemos. No entanto, antes de adentrar esse assunto, gostaria de fazer uma relevante divagação. Permitam-me retroceder uns anos em minha vida, até meados da década de 1990, mais ou menos. Foi por volta dessa época que ouvi de meu patrão, em meu primeiro emprego com carteira assinada — cargo: ajudante geral numa pequena empresa de manutenção de máquinas e sistemas hidráulicos de usinas metalúrgicas —, um aforismo que, há muito, já entrou para a categoria daquilo que chamamos de clichê: “O homem é produto de seu meio!”

Ainda que seja lugar-comum, a frase não deixa de ser interessante. Afinal, poucos apotegmas permitem que, a partir das mesmíssimas palavras, as mais diversas correntes filosófico-ideológicas possam construir seus argumentos — não raro, divergentes. De fato, marxistas podem adequá-la a seu discurso, tal como o podem feministas radicais, desconstrucionistas pós-modernos e, até mesmo, os que, como eu, enxergam o Homo sapiens como produto da evolução darwinista, em face das adversidades dos ambientes onde nossos ancestrais foram submetidos à lâmina afiada da seleção natural e onde a palavra-chave era a adaptação físico-biológica, comportamental e cognitiva que garantisse sobrevivência e sucesso reprodutivo.

Em tempos bem mais recentes, o comprometimento intelectual de filósofos e cientistas (sobretudo os do campo das ciências humanas e sociais), bem como de escritores e artistas em geral, a três pilares dogmáticos de sustentação de suas perspectivas — dos quais falarei alguns parágrafos abaixo — resultou num embate entre a liga marxista-feminista-desconstrucionista-pós-modernista, de um lado, e os naturalistas de visão evolucionista, do outro. E a batalha, em especial do lado de lá da trincheira, dá-se prolixa e passionalmente no campo teórico, onde discursos rebuscados e, não raro, ininteligíveis apenas denunciam uma conspícua impostura intelectual, com muita logorréia disparatada e poucos dados factuais em seu conteúdo, como ficou demonstrado pelo notório trote pregado por Alan Sokal na revista Social Text, em maio de 1996.

Na prática, por sua vez, aqui me focando em particular no âmbito das artes, a aplicação dessa dogmática visão teórica pós-modernista resultou num embaraçoso equívoco elevado ao status de traço de valor. “Naquele engano da alma, ledo e cego”, tomando as palavras de empréstimo a Camões, pariu-se o surto da arte pós-moderna, com suas inúmeras telas que a maioria das pessoas continua a se sentir impelida a relacionar, debochadamente, com pinturas de crianças do maternal; filmes com enredo e imagens impactantes, sem nexo algum, e embebidos em absurdos, em especial na falta de verossimilhança, onde a metalinguagem excede a um recurso criativo interessante, contaminando toda a diegese, para, enfim, consumi-la por completo; peças em que os atores nada mais fazem do que correr nus pelo palco, derramando sangue e leite de cabra pelo corpo, enquanto repetem algo que lembre um mantra qualquer; romances em que a prosa se converte em fluxos de consciência alucinados, estendidos por páginas e páginas, e em que o fazer-sentido parece não mais fazer sentido algum na literatura; músicas com notas ou acordes irritantemente desarmônicos, atonais ou dissonantes, em que melodia se tornou um palavrão execrável.

A arte pós-moderna valeu-se de premissas equivocadas sobre os princípios universais do gosto e o funcionamento da mente humana.

Diante do disparate que parece não ter fim, a invencível relutância da maioria das pessoas, em todo o planeta, em sentir-se arrebatadas ao contemplar mais uma exibição de quadros que parecem pintados pelo chimpanzé da (não muito edificante) novela da Globo, não faltam aqueles que, como o diretor e crítico de teatro Robert Brustein, vêm anunciado “o fim das artes” ou “o declínio da civilização cultural” (vide BRUSTEIN, 1997). Todavia, como bem lembrou Steven Pinker, em Tábula Rasa (PINKER, 2004), como se fizesse eco aos comentários do crítico de cinema e literatura João Batista de Brito, no ensaio “Dois Modelos de Cinema” — em que discute sobre como o modelo clássico de cinema hollywoodiano, em contraposição ao modelo artístico europeu, foi o que, de fato, fez sucesso entre o público (vide BRITO, 1995, pp. 196-199) —, há um sem número de exemplos de como as artes estão numa fase extraordinária, contando com o maior número de orquestras sinfônicas, livrarias, bibliotecas e novos filmes independentes que o mundo já teve, recordes de público em concertos clássicos, vendas de livros (incluindo os de arte, poesia e drama) em quantidades sem precedentes, aumento vertiginoso nas matrículas em cursos de desenho, fotografia de arte etc., bem como na aquisição de objetos de arte e redação criativa. Pinker, aliás, destaca que, nunca antes, houve acesso tão fácil às obras literárias, musicais e cinematográficas, que podem ser apreciadas diante da tela de um simples computador conectado à internet.

Outrossim, não por acaso uma matéria na revista Veja (vide MARTINS, 2009), ao elogiar o trabalho do músico erudito John Adams, justificou seu sucesso com alguns enunciados interessantes para o tema deste texto, quais sejam: “John Adams transformou a história americana recente em tema de composições inovadoras, mas que mantêm sintonia com o público”, ou “Adams já compôs inspirado pelo romantismo do alemão Richard Wagner e até pelo atonalismo do austríaco Arnold Schoenberg, por quem hoje não professa simpatia” (grifos meus). O que chama a atenção nesses comentários sobre o trabalho do compositor é o fato de que, como também destaca a matéria de Sérgio Martins, ainda que algumas de suas “passagens soem áridas ao ouvinte não adepto da produção contemporânea, City Noir [sinfonia com que Adams faz uma homenagem ao clima sombrio dos clássicos filmes noir dos anos 1940 e 1950] é altamente palatável”.

A propósito, vêm deste, que é o novo compositor oficial da Filarmônica de Los Angeles, duas relevantes citações — nas quais, todos os grifos são novamente meus. Sobre inovar sem espantar o público, afirmou: “Ingressos de concertos custam caro. Ninguém paga para ouvir algo que vai deixá-lo incomodado”. Sobre sua admiração (não muito pós-modernista) por Mozart, fez questão de justificar: “Sua música também tinha dissonância. Mas cada passagem complicada era seguida por uma melodia agradável. Em compensação, quinze minutos da música de Schoenberg me deixam completamente fatigado”. Claro que, aqui, posso ser menos politicamente correto e esclarecer que o que Adams quer dizer com o eufemismo “fatigado” é que quinze minutos de exposição à música atonal de Schoenberg deixa até mesmo ele de saco cheio!

Por fim, como iniciei este texto dizendo que falaria de mitos, é hora de passarmos à contemplação de quais são os três que se imiscuíram nas filosofias e ideologias surgidas sob a influência do movimento modernista e, mais radicalmente ainda, na chamada arte pós-moderna. Estou-me referindo aos mitos elencados por Pinker (2004), em sua obra, enquanto os analisa de forma cativante e, o mais importante, confrontando-os com sólidos dados obtidos recentemente nos mais variados ramos das ciências que estudam a percepção e a cognição humanas. São estes: os mitos da tábula rasa, do bom selvagem e do fantasma na máquina.

A santíssima trindade das artes modernas

1) O mito da tábula rasa: tem suas raízes na doutrina empiricista, como proposta por John Locke (século XVII), com a qual a mente passou a ser considerada um “quadro em branco”, uma tábula rasa, onde em princípio nada há, até que se lhe imprima o conhecimento através da experiência, pela via dos sentidos.

2) O mito do bom selvagem: emerge da filosofia romântica de Jean-Jacques Rousseau (século XVIII), que desenvolveu o princípio de que todo homem nasce bom, sendo o ambiente social que o corrompe.

3) O mito do fantasma na máquina: mito a que se agarram desesperadamente não apenas os pós-modernistas, mas também os de mentalidade religiosa, está associado à doutrina dualista de René Descartes (século XVII), autor do princípio filosófico de que a mente é algo não-material que governa o corpo, por sua vez, a extensão material do ser. É a ideia mais tarde referida como a do “fantasma na máquina”, a de que há um espírito que controla os atos da máquina do corpo humano.

Juntos, estes três pilares têm sustentado a visão da maioria dos intelectuais, filósofos e cientistas sociais, até os dias de hoje. São cultuados como verdades intocáveis e infalíveis sobre o ser humano, e qualquer questionamento proposto contra sua factualidade é recebido com assombro e indignação que beiram a uma reação de fanatismo. Porém, para se ter uma boa ideia do problema no culto a esses três mitos, é preciso perceber o que querem dizer: a natureza humana é boa; no entanto, as pessoas nascem com uma mente em branco, onde o conhecimento da realidade e os valores entram pelas portas dos sentidos, através do “condicionamento” (uma visão relativa do processo de aprendizagem), imprimindo-se nessa tábula rasa, moldando, destarte, a personalidade e o caráter de cada um, enquanto “cria” sua percepção do mundo, que não necessariamente constitui a percepção do real, mas apenas daquilo que “fomos condicionados” a aceitar como real; por fim, há uma instância espiritual ou não material da mente de cada indivíduo, que lhe dá livre-arbítrio, conferindo plena autonomia a seu comportamento e atitudes, além de representar, na visão de alguns mais esotéricos, uma dimensão infinita do ser, que permite estabelecer comunicação com a “verdadeira essência do cosmo”.

mbora o culto a essa trindade mítica redunde em problemas em várias esferas, meu foco aqui será no que diz respeito às artes e à sua apreciação. Neste sentido, cumpre destacar que, com o avanço em vários ramos da ciência dedicados ao estudo do cérebro humano sob focos distintos, o que se descobriu e continua-se descobrindo contradiz cada um dos três mitos aludidos acima. Com efeito, da visão de humanos nascendo com uma mente em branco, que foi um prato cheio para os behavioristas do século passado, chegou-se à atual compreensão de que o produto do funcionamento de nossos circuitos neurais, o que denominamos mente, em termos metafóricos, mais se assemelha a um daqueles canivetes do MacGyver, protagonista do antigo seriado de TV exibido no Brasil com o título de Profissão: Perigo.

Como já não é nenhuma novidade para neurocientistas, psicólogos evolucionistas e cientistas cognitivos, a mente humana “é um conjunto de ferramentas e capacidades especificamente adaptadas a tarefas e interesses importantes” (DUTTON, 2003, p. 696). Nossas faculdades mentais, as inclinações que exibimos naturalmente e os desejos que manifestamos são os resultados observáveis de adaptações desenvolvidas desde o Pleistoceno, atingindo o estágio evolutivo mantido até hoje, cerca de 10 mil anos atrás, por volta da época holocena. Ainda que as sociedades hodiernas sejam o mais distintas possível do ambiente onde nossos cérebros foram geneticamente desenhados, o fato é que nos ajustamos à vida moderna como a construímos, em termos socioculturais, valendo-nos das mesmas faculdades mentais que desenvolvemos para lidar com as adversidades enfrentadas por um primitivo bando de caçadores-coletores de que descendemos.

E o que isso tem a ver com nossa apreciação artística? Muita coisa!

Para citar um exemplo, sigamos por uma linha lógica de raciocínio: as raízes do prazer nos organismos estão plantadas no ambiente ancestral onde evoluímos; logo, tudo aquilo que favoreceu a aptidão de nossos ancestrais acabou associado às nossas sensações de prazer, como processadas em nossa circuitaria cerebral — sensações estas provocadas por mecanismos específicos que se desenvolveram a fim de direcionar nossas preferências. Eis o porquê de encontrarmos prazer em alimentos que comemos, no sexo que fazemos, na presença de nossos filhos ao nosso redor, na excitação diante da possibilidade de aprender a fazer isso ou aquilo. Além disso, no passado, os homens primitivos exploravam o ambiente natural à sua volta e, enquanto o faziam, buscavam em seu campo visual por padrões que auxiliassem no deslocamento através da paisagem avistada, bem como na obtenção de qualquer elemento proveitoso que esta oferecesse. Como Pinker destaca:
"Entre esses padrões incluem-se regiões bem delineadas, características improváveis, mas informativas, como linhas paralelas e perpendiculares e eixos de simetria e alongamento. Todos são usados pelo cérebro para esculpir o campo visual em superfícies, agrupar as superfícies em objetos e organizar os objetos de modo que as pessoas possam reconhecê-los na próxima vez que o virem (PINKER, op. cit., pág. 548).

Destarte, não surpreende, de forma alguma, o resultado de uma pesquisa realizada em dez países da Ásia, África, Europa e das três Américas, em que as pessoas entrevistadas, no que se lhes pediu que descrevessem os elementos que lhes proporcionavam prazer na admiração de uma pintura, expressaram uma “coincidente” preferência por cenários realistas, em que houvesse certos elementos, como água, árvores e outras plantas, animais domésticos ou selvagens, bem como figuras humanas (preferencialmente, mulheres, crianças e também figuras históricas). Por outro lado, citaram, novamente de forma quase unânime, o tipo de pinturas que menos lhe atraíam: não por acaso o tipo de arte abstrata, com seus borrões coloridos, suas formas geométricas recortadas e preenchidas em cores berrantes e desarmônicas etc.

Então, valendo-se dos dados estatísticos obtidos com a pesquisa, os dois artistas plásticos que a encomendaram, a saber, Vitaly Komar e Alexander Melamid, resolveram pintar várias telas, duas para cada país — uma representando o que eles mais gostam; outra, o que mais desprezam (vide WYPIJEWSKI, 1997). De forma humorística, misturaram nas pinturas elementos em nada compatíveis — como se vê, por exemplo, na pintura intitulada America’s Most Wanted [“O que a América mais quer”, numa tradução livre], em que George Washington caminha ao lado de um lago, tendo uma família em trajes modernos um pouco adiante, enquanto dois veados caminham na água. E a tela não deixou de exercer seu encanto; afinal, não é a verossimilhança contextual dos elementos que parece importar, mas o realismo de cada forma retratada.

Informação um tanto interessante: embora as pinturas sejam baseadas em dados sobre preferências gerais de povos de diferentes culturas, refletem um conjunto de elementos intrigantemente semelhantes. Portanto, só nos resta o riso em face do ridículo e o lamento pela ignorância, quando os cultuadores da trindade mítica comentada mais acima surgem, como crentes pregando em praças públicas, afirmando que somos enganados por nossos sentidos, experimentando uma percepção ilusória da realidade, que precisamos “desconstruir” as convenções que temos sobre tudo o que chamamos real etc., não obstante seu arrogante sentimento se superioridade intelectual ao alertarem o mundo contra a conspiração sociocultural que nos estaria fazendo acreditar na realidade de coisas ilusórias como — quem sabe? — a existência da gravidade.

Nossas mentes evoluíram de modo a nos garantir vantagens na luta pela sobrevivência e na transmissão de nosso genes a gerações posteriores. É um dispautério concluir que nossos sentidos se desenvolveram na contramão de tudo mais em nós, levando-nos a uma percepção do mundo que não correspondesse o melhor possível com seus aspectos reais.

Considerações sobre o “mito da beleza”

Disse que falaria de mitos neste texto. E, de fato, comecei-o aludindo a um conhecido conto indígena brasileiro, a lenda da Vitória-Régia, cujo excerto citado não foi escolhido despropositadamente. Sua escolha partiu da leitura de dois trabalhos recentes, a saber, o livro The Beauty Myth [“O Mito da Beleza”], de Naomi Wolf (originalmente publicado em 1991, mas cuja edição aqui referenciada é a de 2002), e o artigo que constitui a réplica de Jonathan Gottschall (e de 30 estudantes de pós-graduação que assinam como coautores) aos argumentos da autora (vide GOTTSCHALL et al., 2008).

Resumindo o que Wolf diz: os “mitos” ocidentais acerca dos traços de beleza femininos não têm nenhuma relação com nossa biologia e não são mais que meros constructos socioculturais que serve aos interesses de sociedades erguidas sobre valores patriarcais. Tentativas de explicar os princípios do julgamento da beleza feminina com base em nossa constituição biológica seriam uma conspiração naturalista visando a solidificar um sistema de crenças que perpetuariam e legitimariam a dominação dos machos sobre as mulheres.

Abster-me-ei de tecer considerações sobre os vários equívocos nessa perspectiva de Wolf  no âmbito da teorização sociológica. Aqui, meu foco será em sua crença, pregada na supracitada obra, de que a grande ênfase sobre a beleza feminina que se verifica em nossas sociedades, inclusive em nossas artes (como na literatura, na escultura ou no cinema, por exemplo) não é senão um constructo social das sociedades ocidentais. Logo, conclui peremptoriamente, outras culturas distintas decerto apresentam uma ênfase maior na beleza masculina ou mesmo um equilíbrio na descrição dos aspectos fisicamente atrativos em homens e mulheres.

Visto que há uma considerável variabilidade nas diferenças de fertilidade nas fêmeas humanas, especialmente no tocante ao quesito idade, concluem os psicólogos evolucionistas que uma ênfase maior nos traços joviais da beleza feminina, bem como naqueles sutil ou explicitamente voluptuosos, deveriam não apenas se encontrar em outras culturas que não exclusivamente as ocidentais, como deveriam ser um universal ou quase universal humano.

Foi com esse intento que Gottschall e sua equipe resolveram analisar 90 coleções de antigos contos folclóricos de várias sociedades tribais ou pré-industriais, que dificilmente poderiam ser acusadas de terem sido produzidas sob influência dos valores ocidentais. Foram analisadas histórias de povos dos cinco continentes, bem como de diversas ilhas do pacífico. Os agrupamentos das coleções foram feitos com base em suas salientes afinidades geográfica, linguística e cultural. No fim, apesar da enorme distinção que alguns povos apresentavam nessas três categorias, o número de referências, em suas histórias, descrevendo a beleza feminina com adjetivos comumente usados na tradição ocidental (como, por exemplo, os positivos “linda”, “voluptuosa” e “estonteante”, bem como os usados em descrições depreciativas da beleza física, como “feia”, “monstruosa” ou “repulsiva”) foi inegavelmente maior que as descrições da beleza masculina em praticamente todas as culturas. De fato, a análise dessas fontes, que, aliás, são encontradas em todas as comunidades humanas conhecidas, sugerem que a probabilidade de um personagem ser descrito com adjetivos referentes à beleza física é seis vezes maior quando se trata de uma mulher.

Considerações finais

É óbvio que este texto não faz mais que discorrer um tanto superficialmente sobre um tema tão amplo, fascinante e controverso quanto a discussão dos mecanismos inatos que permitiram à nossa espécie não apenas produzir e apreciar as mais variadas formas de arte, como também fazem ouvir-se em cada obra concebida a voz da mimese, da representação do real como captada pelos sentidos evoluídos no Homo sapiens.

Ignorar, ou mesmo negar veementemente, que o Homo artisticus de hoje tem seus pés fincados no ambiente primitivo em que evoluíram nossos ancestrais é agarrar-se a uma crença tão ingênua quanto acreditar a Terra é plana ou que é o Sol que gira ao seu redor. Compreender os mecanismos psíquicos que subjazem à universalidade da ênfase maior na beleza feminina ou na preferência por representações realistas nas artes ou por padrões harmônicos na música não é compactuar com um complô universal visando à dominação de todos segundo os valores de uma cultura patriarcal ou elitista.

Aliás, é exatamente a impostura intelectual que sustenta o pós-modernismo, exigindo iniciação em sua verborrágica e inane literatura teórica para que se possa ser capaz de apreciar sua versão das artes — aqui, sim, num trabalho de condicionamento do que se deva procurar e valorar numa obra —, que se pode notar um projeto elitista de imposição do que seja “arte de verdade” contra os princípios naturais do gosto.

segunda-feira

Ooh, the years burn

No meio da encruzilhada fora da cidade tento encontrar o caminho de casa. Um vento de urgência sopra no meu calcanhar alado. Levo no bolso uma bomba invisível, agarrada em mim desde que nasci. Os anos são o gatilho dessa coisa estranha que é a vida.


quarta-feira

Ando engolindo noites.

as ondas aqui dentro estão ficando violentas e o salva-vidas não está
mas o mar não me quer... hoje
hoje, o mar não me quer
talvez eu volte amanhã pra brincar.

terça-feira

I got some dragstrip courage!

Tom Waits mexe com minhas tripas! A trilha sonora da minha semana em duas versões.


..I ain't no extra baby
I'm a leading man
Well my parole officer
WIll be proud of me
With my Olds 88
And the devil on a leash
My Olds 88
And the devil on a leash


I'm gonna drive all night
Take some speed
I'm gonna wait for the sun
To shine down on me
I cut a hole in my roof
In the shape of a heart..



segunda-feira

Dragão só

não há chão. a sensação de queda é densa o suficiente para fundir meu coração ao estômago.
é escuro aqui onde não estou.
acontece que essa música é perfeita..

quarta-feira

Aborto, casamento gay e intolerância religiosa: convenientemente ausentes nos discursos dos presidenciáveis


Fonte: Estadão
Introdução: Eli Vieira

Uma deu sinais de agnosticismo, se “equilibrando na questão”, mas agora é toda acenos para os cristãos e deixa seu partido insinuar que ser chamado de ateu é crime contra a honra. A CNBB, que reúne os bispos católicos do Brasil, primeiro pediu às suas ovelhas para não votar nela, depois retirou a mensagem do sítio eletrônico e agora chama os candidatos para debater na lamentável rede de canais de televisão religiosos que contam com a concessão pública.
Outra faz parte de uma denominação fundamentalista que nega a ciência, mas amacia o discurso enquanto tenta desviar a atenção de sua crença de que toda a biodiversidade que ela tenta preservar surgiu num passe de mágica.
O outro, cujo partido injetou mais de meio milhão de dinheiro público num evento evangélico, fazendo a laicidade da Constituição parecer “coicidade da latituição”, conseguiu arranjar um candidato a vice-presidente que pensa que chamar alguém de ateu é xingamento.
Porém, apesar de toda a disputa, os três candidatos mais conhecidos à presidência do Brasil têm em comum uma coisa: preferem fingir que o Brasil é a terra dos ursinhos carinhosos, em que cirurgia de varizes é problema mais urgente que o aborto, em que proteger ou não os deficientes é ponto mais polêmico que o casamento gay, em que fazer propaganda de origem humilde é mais apelativo que mostrar o que vão fazer de concreto para promover a cidadania informada no país. Difícil escolher presidente num baile de máscaras assim.
Política no Brasil nos dá tédio. E a razão para isso tem muito a ver com nosso laicismo de letra morta, de acordo com a entrevista abaixo com um especialista em psicologia política, Marco Aurélio Prado.

Aliança com o nada
Para professor da UFMG, neutralismo é palavra de ordem para candidatos e sinal de pobreza do debate eleitoral
A menos de dois meses das eleições presidenciais, há uma fração interditada da agenda política. Os principais candidatos a presidente não se aprofundam em temas transversais que mexam com a sociedade. Aborto, drogas, união civil entre homossexuais, reforma agrária, eutanásia, entre outros, foram escanteados do debate. “A política é uma esfera de pensamentos da diferença, um lugar de estratégia e de conflito. A gente não vê isso hoje no Brasil. Ainda vivemos a fase da neutralidade geral”, diz Marco Aurélio Prado, doutor em psicologia social pela PUC-SP, membro do Núcleo de Psicologia Política da UFMG e atual presidente da Associação Brasileira de Psicologia Política. “É um momento no mínimo curioso, se não perigoso.”
Dois fatores contribuiriam para tanto: a forte influência da religião na política e as alianças que sustentam os candidatos. Notório é que o primeiro passo foi dado justamente por um ramo da Igreja Católica. Nessa semana, a CNBB, Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, anunciou a convocação de um debate, com transmissão em rede nacional nas TVs católicas, para cobrar dos presidenciáveis posições claras sobre assuntos tabus, como aborto, reforma agrária e taxação de grandes fortunas. Prado acredita que o caldeirão vá esquentar. “A sociedade é pluralista, seria muito bom que a política expressasse isso.”

Por que temas tabus são empurrados para baixo do tapete durante o debate eleitoral?

Há uma tentativa de formar opinião pública e, para isso, os candidatos ensejam uma posição neutra. O debate eleitoral no Brasil é pobre. Em outros países encontramos posições mais definidas. O comportamento chama a atenção porque esses são temas ligados a outro elemento contemporâneo do Brasil: a presença das religiões na esfera da política. Elas têm representantes na Câmara dos Deputados e no Senado a ponto de já fazer parte do nosso imaginário falar que existe bancada evangélica, bancada religiosa, bancada católica. Os candidatos evitam marcar posição para não perder o apoio da opinião pública. Mas não evitam visitar as igrejas ou fazer acordos com pastores e padres.

O que teria motivado a CNBB a sugerir um debate com os presidenciáveis que inclui assuntos polêmicos?

A Igreja Católica é muito capilar e muito contraditória internamente. Tem várias tendências, desde as católicas que defendem o direito de a mulher interromper a gravidez até o discurso do papa, sem dúvida conservador. Ela possui uma forma de lidar com essas temáticas que revela um pouco por que consegue tanto peso na opinião pública. Nos últimos anos, a gente avançou numa certa democratização. Mas ao mesmo tempo as religiões viraram instrumento forte de compreensão da própria política e a política virou instrumento forte da religião. Isso é uma contradição e um fenômeno importante. Acredito que temas sobre direitos vão aparecer no debate à medida que o eleitorado tiver mais cara e as pesquisas indicarem o rumo das coisas. O debate vai esquentar. O problema é como serão as respostas dos candidatos (risos).

A falta de debate em relação a esses temas empobrece o processo eleitoral?

Com certeza. Mas a eleição tem sido assim, com pouquíssimos instrumentos de conscientização política. Sendo o voto uma forma de expressão de direito de cidadão, é curioso que o processo eleitoral esteja tão despolitizado. Veja a forma de construção das alianças. A candidata do governo, por exemplo, é de um partido que fez coligações que vão fortalecer o PMDB em muitos Estados. Conforme essas alianças vão sendo feitas por interesses que não passam por um projeto político, a eleição tende a ser menos esclarecedora para a população. Aí é óbvio que os discursos não dizem nada. No debate da Band foi essa a postura dos candidatos. Apenas quem tem poucas chances, como o Plínio de Arruda Sampaio, pode falar de todos os temas. A sociedade é pluralista. Seria muito bom que a política expressasse isso.

O que constitui, de fato, um debate democrático?

O ideal do debate político é que antagonismos possam aparecer. A política é uma esfera de pensamentos da diferença. É um lugar de estratégia e de conflito. A gente não vê isso hoje no Brasil. Vozes dissonantes aparecem pouco. Repare no caso da união entre homossexuais. Quem está antagonizando são os religiosos no Congresso e uma parte da sociedade civil ligada aos movimentos sociais. E esse é um tema de muita relevância porque mostra como uma nação é capaz de olhar para transformações da sua própria sociedade. O governo tem feito de maneira discreta algumas ações pró-reconhecimento, como a autorização para declarar parceiro no Imposto de Renda, mas é meio envergonhado. Isso não se transforma em debate público, não são projetos que passaram por discussão no Congresso. A eleição vira esse neutralismo, esse grande acordo de relações partidárias. E a gente não sabe como essas rodadas de negociações aconteceram.

Que outros temas são escanteados?

O mais escamoteado é o das alianças. Se houvesse um espaço mais democrático, poderíamos discutir o que isso significa para o futuro. O mundo da política institucional não pode ter partidos fracos. É preciso ter partidos fortes com discursos políticos bem sustentados. Estamos vivendo um momento no mínimo curioso, se não perigoso.

De que maneira o senhor acredita que esses temas vão começar a ser discutidos pelos candidatos?

Não haverá muita discussão, principalmente pelos dois candidatos que estão na frente nas pesquisas. Basta pensar o que eles representam. De um lado, Dilma Rousseff espelha um acordo com partidos que não têm nenhuma posição favorável a esses temas, posição, aliás, que o PSDB também nunca teve.

A população percebe essa agenda tolhida? Por que o eleitor não reage?

Eu sou otimista. Há espaços que reagem. Neste ano todas as paradas LGBT têm como lema a questão do voto contra a homofobia. É uma reação, um recado. Quando todo mundo considerou que as paradas eram carnavais, elas mostraram articulação em torno de um tema: o projeto de lei, que não passa de jeito nenhum, sobre a criminalização de atos homofóbicos. No caso do aborto, é inadmissível que não se discuta em pleno século 21 o direito de as mulheres decidirem sobre o próprio corpo.

Em que momentos da nossa história política o debate lhe pareceu menos engessado?

Sobre essas questões específicas, nunca tivemos, em épocas de eleição, um debate acirrado. Mas, na pós-ditadura militar no Brasil as eleições foram mais politizadas. O debate Collor/Lula teve processo de conscientização política. As posições eram demarcadas, os partidos apresentaram projetos. Para o eleitor que conseguiu ler esses projetos não foi surpresa o que aconteceu no governo Collor. Naquele momento, o debate eleitoral instituiu um processo de reflexão sobre a política e sobre nossa vida como coletividade. É interessante pensar que estamos saindo de um governo do PT, um partido que tem história de politização de tantos temas, mas despolitizou a sociedade brasileira nos últimos anos.

O PT ajudou a despolitizar o debate?

Sim, mas é um fenômeno que não ocorre somente no Brasil. Em outros países, partidos de centro-esquerda ou esquerda, ao assumirem o governo, construíram certa despolitização das sociedades. Um elemento muito forte no País foi o tipo de relação que o governo estabeleceu com os movimentos sociais.

Foi uma relação de dominação?

Não. Foi uma relação de despolitização. Muitos movimentos sociais, que sempre tiveram lideranças importantes para a democratização, entraram para a máquina de governo. É verdade que o Estado precisa da experiência da sociedade civil para instituir políticas públicas, mas o problema é como isso mexe com a participação da sociedade. Há movimentos burocratizados pela lógica do Estado. Costumo brincar que, atualmente, se você formar um grupo para reivindicar algo, no dia seguinte vai ter um edital do governo propondo verbas e formas de funcionamento. A relação entre esses movimentos e o governo ficou engessada em editais. Ao mesmo tempo que há índices de melhora da situação brasileira, temos também uma sociedade menos participativa.

Outras culturas são mais abertas à discussão?

Sim. A Argentina viveu um debate importante sobre a união civil entre gays, que culminou com sua aprovação. A Espanha também. Portugal tomou decisões importantes no caso do aborto, das drogas e do reconhecimento da união entre homossexuais.

Quais seus prognósticos em relação ao Brasil?

Há a tendência de que essas temáticas avancem, mas vai depender de quem for eleito. A política é muita dinâmica. Isso é que é fascinante. Eu sou otimista, mas não é um otimismo redentor. Não imagino que a gente vá alcançar esse patamar fantástico rapidamente. Mas há práticas cotidianas que fazem toda a diferença.

O senhor já decidiu em quem votará?

Já. Não de modo confortável. É uma eleição difícil. Decidi, mas com medo de fazer parte do que vai ser o futuro dos partidos diante dessa situação de alianças tão pouco claras. Seremos cúmplices do que vier.

quinta-feira

Meu nome é Spider Jerusalem!


Se você é um pobre coitado que nunca leu Transmetropolitan, clique aqui.



quarta-feira

É melhor ficar calada, e se sentir extremamente privilegiada.

terça-feira

TABACARIA

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe
Quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,

Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua

A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
à Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora.
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e  ávores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a hist¢ria não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haver  senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé
de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais do que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica a amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, para o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentil¡ssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo de nossos pais,
Ou não sei o quê moderno - não concebo bem o quê -,
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego a janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um dos andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortaram o rabo
E que é o rabo para aquém do lagarto remexidamente.

Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho.
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado,
Já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubam e não valia nada.

Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isso se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de
coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (pra comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me energético, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha de minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo o troco na algibeira das calças?).
Ah conheço-o, é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ‚ Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperaça, e o dono da Tabacaria sorriu.

Não a Ti, Cristo

Não a ti, Cristo, odeio ou te não quero.
Em ti como nos outros creio deuses mais velhos.
Só te tenho por não mais nem menos
Do que eles, mas mais novo apenas.

Odeio-os sim, e a esses com calma aborreço,
Que te querem acima dos outros teus iguais deuses.
Quero-te onde tu estás, nem mais alto
Nem mais baixo que eles, tu apenas.

Deus triste, preciso talvez porque nenhum havia
Como tu, um a mais no Panteão e no culto,
Nada mais, nem mais alto nem mais puro
Porque para tudo havia deuses, menos tu.

Cura tu, idólatra exclusivo de Cristo, que a vida
É múltipla e todos os dias são diferentes dos outros,
E só sendo múltiplos como eles
Estaremos com a verdade e sós.
Fernando Pessoa

Eba! Eba! Eba!

Oh, all your history's like fire from a busted gun..

quarta-feira

Viu, eu avisei!

Gosto quando a vida ensina, e mais ainda quando ela valida minhas teorias comportamentais e antropológicas (isso pode ser entendido assim: sou um bicho desconfiado por natureza).
E dessa vez, o que a vida ensinou foi (quase um déjà vu secular) que um indivíduo pode ter lido mais de 500 livros, pode estar perto do topo da pirâmide e pode até ter um pau grande (inversamente proporcional ao seu cérebro, segundo as estatísticas). Mas não! Tudo isso não faz dele(a) um ser de caráter (ética pode ser um exemplo). Ele, o indivíduo, até pode achar que tem caráter e, faz uso dele por conveniência, na padaria, ou na hora de se justificar com a esposa(o). Mas em momentos que exigem tal postura, bom, aí não há ereção poética que disfarce o letreiro luminoso piscando - LOOSER - na testa do supracitado.
Mas, somos apenas meninas imaturas, aprendendo direitinho o que a vida ensina.

domingo

Ciência e espiritualidade: um breve manifesto

Um ótimo texto do Marcelo Gleiser, pra acordar o tico e o teco...


Na opinião popular, o título deste texto representa um paradoxo. Ciência e espiritualidade habitam mundos diferentes, que em geral entram em conflito ao se aproximarem. A primeira é vista como uma atividade exclusivamente racional, reducionista, materialista e fria, sem qualquer interesse por questões espirituais. Já a segunda, bem mais difícil de ser definida, representa uma busca pessoal, uma relação com uma realidade que transcende o imediato, que nos conecta com o que vai além do material. Por isso a espiritualidade é considerada a antítese da ciência.

Para piorar, a busca espiritual costuma adotar uma posição que não só é contrária ao materialismo científico, mas que o confronta. Ela passa a ser quase que uma "vingança" para quem está desiludido com um mundo cada vez mais explicável, destituído de mágica e poesia. O movimento romântico do início do século 19 foi uma resposta direta ao racionalismo extremo do século 18. O poeta John Keats acusou Isaac Newton de ter "desfiado o arco-íris", de ter roubado a sua beleza com suas explicações precisas sobre o comportamento da luz. Nada poderia ser menos verdadeiro.

Quem fecha os olhos para as descobertas da ciência moderna e se fia na ocorrência de fenômenos sobrenaturais, paranormais, astrológicos, quem acredita que duendes povoam florestas, quem jura que almas circulam pelo mundo dos vivos sem serem percebidas, faz o mesmo que o poeta: nega-se a apreciar a poesia e a beleza que a ciência nos revela, preferindo pensar como nossos antepassados. E sua credulidade é explorada por oportunistas.

Existe mágica de sobra no mundo que podemos ver com nossos olhos e com os instrumentos que inventamos para ampliar a nossa visão da realidade. Não é preciso se fiar numa realidade invisível e sobrenatural, cuja existência depende de relatos individuais e que é sujeita à fé. Quando queremos muito acreditar em algo, isso se torna mais real. O querer acreditar compromete nossa habilidade de decidir imparcialmente - ou quase - se uma asserção é ou não verdadeira.

Se meu pai está doente e a medicina moderna não pode fazer nada por ele, por que não levá-lo a um curandeiro, alguém com supostos poderes de exercer curas milagrosas e inexplicáveis? A morte assusta, foge ao nosso controle, rouba aqueles que amamos. É difícil aceitar a postura materialista de que ela é mesmo o fim, que essa faísca que anima a matéria e nos faz amar e chorar se esvai por completo num piscar de olhos. Nosso dilema é termos consciência de que temos os dias contados. Aceitar esse fato é tão difícil que fazemos de tudo para driblá-lo, criando mecanismos que vão além do que podemos provar. Talvez isso ajude muitos a aceitarem seus destinos. O triste é que os que estão convictos da existência dessa dimensão sobrenatural fechem os olhos para o que a ciência mostra.

Prefiro viver de olhos bem abertos e aceitar a pré-condição da vida, a não-vida. Ignorar o que a natureza nos mostra todos os dias é viver menos, é se apegar a contos de fadas para evitar o confronto com a nossa condição humana. Saber morrer é saber viver, é saber aceitar o quanto são preciosos esses breves momentos que temos para amar, chorar, apreciar a beleza do arco-íris, vibrar com um gol e ter medo de perder quem amamos. É na brevidade da vida que reside o seu segredo: saber viver sem medo de morrer. Isso não é nada fácil, e não acredito que tenha conquistado o meu próprio medo. Mas prefiro viver com ele a me iludir com algo que nunca saberei se está certo ou não.

Ninguém gosta da idéia de morrer ou de sofrer. Ninguém gosta de ver o sofrimento de tantos no mundo. Porém, se a alternativa é achar que tudo isso vai ser diferente no "além", que forças ocultas regem nossas vidas e podem ser controladas por meio de crenças místicas, ela me parece criar uma sociedade que não enfrenta os desafios que tem pela frente, escondendo-se nas promessas de um mundo inescrutável e inexistente.

Para mim, a mágica ocorre a cada momento em que estamos vivos, que podemos amar e sofrer, que podemos refletir sobre quem somos e sobre como podemos melhorar as nossas vidas e as dos que estão à nossa volta. Perceber essa mágica é abraçar a espiritualidade da ciência. Com ela aprendemos quem somos e como nos relacionamos com o mundo e com o Universo. Entre os caminhos que temos para enfrentar nossos desafios, não vejo outro que possa mostrar o quanto a vida é preciosa e rara, que celebre de forma mais clara a mágica da existência.
MARCELO GLEISER é astrofísico, professor do Dartmouth College, nos Estados Unidos, e autor de cinco livros sobre ciência e conhecimento. 

segunda-feira

Descansa em paz vastidão

Toda manhã me olhava de canto possessiva com um beijo na testa. Ela era assim estranha de tudo. Rasgou minhas revistas e dormiu com meu irmão. Se eu tivesse irmão. Riscou meus livros, abriu as pernas pras amigas, e de noite queria me falar de amor. Amor demais. Poesia demais. Sete meses ninguém aguenta. Um dia cheguei em casa e peguei ela judiando do gato. Porra, o gato não. Virei a vadia do avesso. O gato manca mas tá bem.
A última coisa que ela me disse?
- Eu sou vasta, meu bem.
E eu? Aproveitei a rima.

quarta-feira

Hoje recebi um comentário anônimo muito divertido num post, nem tão antigo, Deus é imoral.. e bundão. Bom, rejeitei o comentário e resolvi postá-lo na íntegra com algumas observações minhas. Por que? Porque o blog é meu e, eu sou mau, ué!


suas teorias destrutivas da fé, falam como se soubessem de tudo!
Pelo menos sei escrever corretamente.

me surpriendo cada vez mais com tais percas de tempo e espaço nestas paginas
Perca? Agora quem surpreendeu foi você! Por acaso te chamei aqui, animalzinho?

que deviam sim contruir e não destruir o pouco que resta da fé em CRISTO.
Ainda resta UM POUCO? MALDIÇÃO! Ainda não destruimos aquele lixo. ATENÇÃO, HORDA! Hora de marcharmos e dominarmos o mundo, condenando estes religiosos ao fogo e às lâminas de nossas espadas! Uiii.

o mal que hoge provocam é imensuravel,
“Imensurável” é a sua burrice!

sobretudo a aqueles que não tem em quem mais acreditar nesta terra de idéias podres como as que li nesta imunda pagina!
(violinos ao fundo)

se sabem tudo, porque ao inves de usar para o mal, usem para encontrar soluções e remedios para aliviar as mazelas de nosso povo.
É o que os cientistas estão fazendo. Combatendo uma doença malévola chamada RELIGIÃO com os mais eficazes remédios: CONHECIMENTO e RAZÃO.

amiga me diga, como se forma uma criança no ventre de uma mulher?
[módulo crente retardado on] Papai e mamãe se conheceram, começaram a namorar, noivaram e casaram. No dia da lua de mel, papai resolveu mostrar pra mamãe umas brincadeirinhas legais. Uia! Vc apareceu nove meses depois. Não é fofo? [módulo crente retardado off]

como se pode forma ossos no ventre de uma mulher?
Isso só pode ser brincadeira..
NÃO EXISTEM OSSOS NOS VENTRES, SUA TOUPEIRA!

creio que vc tem em mente que vc veio do macaco e não conseguiu se desenvolver e esta iguazinho ao seus ansestrais!?
A ciência nunca disse que o homem veio do macaco, seu estúpido. Eles são mais evoluídos que vc. Aprenda a escrever e estude ciências!


se vc diz que DEUS não existe por acaso vc orou vc tenatou saber se DEUS existe?
Você tentou orar pra Mula-Sem-Cabeça ou pro Saci Pererê?

ore a DEUS que todas suas perguntas serão respondidas.

Deus, se vc existe mesmo, me diga o último algarismo do número Pi.

Não seja insenssível ou vai perecer antes do que pensa pois quem rejeita o Supremo Bem está, na verdade, servindo ao Mal.
Pq eles têm sempre que terminar com uma ameaça? Ah, vai se foder!

obrigado por me deixarem inrritado com tanta besteira e imbecilidades.
De nada, princesa.

domingo

dentro de mim tem uma esquina que nunca dorme
e vários caminhos
vários.

Desaparecidos

meus livros com paradeiro desconhecido.. emprestei? abandonei?
não lembro, mas hoje deu saudade:

- A literatura e o mal - Georges Bataille
- O erotismo - Gerorges Bataille
- História do Olho - Georges Bataille
- O Padre C. - Georges Bataille

O único que ainda descansa na minha estante é o belo e violento Minha Mãe, também de Bataille.
Muito apropriado, eu diria.

sábado

...(sic) uma inteligência conhecendo todas as variáveis universais em determinado momento, poderia compor numa só fórmula matemática a unificação de todos os movimentos do Universo.


e meu hambúrguer queima na frigideira com toda força do mundo.

sexta-feira

mamãe guardou leões dentro de mim
garras afiadas abrem caminhos vermelhos
lágrimas passeiam no pelo loiro
querem sair
e mostrar sua fome

King Jeremy, the wicked



sessão nostalgia

terça-feira

o que me bate gentilmente à porta não tem nome
e dessa vez,
hesito.

segunda-feira

Boba da corte.

quarta-feira

tenho uma pulga passeando pelo corpo.
me desespero toda vez que ela passa pela orelha.

segunda-feira

domingo

semiótica gastronômica

B.: Hamburguer de picanha + vitamina de leite com morango.

Nanda: Pão de queijo + smirnoff ice.

terça-feira

me mata teu sorriso cheio de dúvidas

quinta-feira

… o otimismo de um cínico



É muito difícil falar de Tom Waits.
Um cão abandonado que uiva a dor do mundo, notório santo dos perdidos com bom gosto, ele fez discos e discos cantando seu universo singular, cheio de bebedeiras, gente derrotada, amores impossíveis e cheios de feridas, vagabundas carismáticas e pirados de marca maior, com uma forma magistral e única em sua voz soturna e sua poesia subversiva, que remete aos melhores momentos da Beat Generation de Jack Kerouac ou os escritos bêbados de Charles Bukowski.

sexta-feira

"Viver é esquisitíssimo"

segunda-feira

quarta-feira

o que fazer quando as traças comem todas as promessas?

diálogo com o espelho:

- Besta!

domingo

Minha infância com Beatles




"I look at you all see the love there that's sleeping
While my guitar gently weeps
I look at you all
Still my guitar gently weeps

I look from the wings at the play you are staging
While my guitar gently weeps
As I'm sitting here doing nothing but aging
Still my guitar gently weeps
..."

sábado

Alone.

terça-feira

PIXELS by PATRICK JEAN

...pra quem tiver 3 minutos.

sábado

exemplo prático de mau humor


exemplo prático de preguiça

segunda-feira

Hoje lembrei de um sonho que eu tinha na puberdade. Esse sonho se repetiu muitas vezes entre meus 12 e 13 anos.

Não lembro quem eu era com 12 anos, mas eu sonhava que perseguia uma pessoa até a casa dos meus avós, e lá, no meio do quintal de grama verde e fresquinha, e na frente de todo mundo: pai, mãe, vó, vô - eu matava, com várias facadas, a pessoa que eu perseguia. E a sensação era de que, apesar de difícil, eu estava fazendo a coisa certa, com espanto e aprovação de todos.


Bom, talvez eu seja uma cereal killer em potencial. Que coisa.

quarta-feira

Big Bang !

Quando eu tinha 15 anos me ensinaram que o ponto final é um mero início.

Aprendi direitinho.

sexta-feira

Genéticamente inclinada ao homicídio

Qualquer hora vou me dar o luxo de ter um dia de fúria. Comprar uma machadinha super hype, e numa bela manhã de sol, ao som do eletrizante tango Bajofondo, partir a cabeça do meu chefe ao meio, com maestria borrifar sangue pelo escritório inteiro.

segunda-feira

os olhos marejados dela
manipuladores
me delineiam de um tesão mordaz

e de tempos em tempos, me deixam com todo o medo do mundo.

quinta-feira

Won´t find it here - Black Label Society




You say that you're down, now
Can't find a place to rest your head
The leaves have all fallen
And your garden is dead
Turning your back now
Ain't nothing left to say
No need for tomorrow
When you can't find today

When you can't find today, oh
When you can't find today, oh
Search all you want, oh
Well you won't find it here, oh
Well the fortunes you seek, oh
They were always right here
They were always right here

Alone once again, now
Walked a mile inside your head
This movie's been played now
All is done and all is said
You're running so fast now
You can't get away
No need for tomorrow
When you can't find today